QUÓRUM PREVISTO NA CONVENÇÃO SE SOBREPÕE AO DA LEI

QUÓRUM PREVISTO NA CONVENÇÃO SE SOBREPÕE AO DA LEI

   Interpretar a lei é uma arte, pois exige que o operador do Direito entenda os princípios constitucionais que orientam a formação das normas jurídicas, sendo fundamental a reflexão sobre o contexto dos artigos que regulamentam o tema. Dessa forma, percebe-se que o Código Civil, ao regulamentar os condomínios edilícios, permite que os condôminos estipulem quóruns diferentes daqueles previamente estipulados em vários casos. Essa liberalidade decorre da sabedoria do legislador que compreende que, diante da diversidade de tipos de condomínio, a imposição de regras gerais, especialmente quando aplicadas aos de grande porte, pode ocasionar a sua inviabilidade administrativa. Dessa forma, é possível estipular na convenção algumas normas e quóruns diferentes do previsto no Código Civil, em temas como: obras úteis e voluptuárias, alteração de fachada, aplicação de multas, dentre outros casos.

   O quórum consiste no número mínimo de condôminos presentes à assembleia geral para se iniciar e para deliberar sobre matérias comuns e especiais. Nesse sentido, as deliberações podem ser aprovadas pelos quóruns que se classificam em: maioria qualificada, absoluta ou simples.  

   CONDOMÍNIO DE GRANDE PORTE X EDIFÍCIO COMUM

   Há décadas os condomínios deixaram de se limitar a edifícios comuns, havendo alguns que se assemelham a pequenas cidades, com 2000 unidades, com áreas de lazer que superam as de alguns clubes. Nesses casos, torna-se impossível a obtenção de quóruns elevados, especialmente diante do fato que normalmente as assembleias contam com a participação, em média, de apenas 17% dos condôminos residenciais. Nos edifícios comerciais a situação é ainda pior, tendo em vista que esse percentual raramente supera a 10% dos condôminos.

   Contra fatos não há argumentos, ou seja, é impossível que o síndico ou até mesmo um magistrado obrigue os condôminos a participarem de uma assembleia, pois a lei garante a liberdade de ir ou não à reunião. Portanto, exigir um quórum elevado nesses condomínios pode prejudicar a tomada de decisões, já que é raro obter quóruns qualificados acima de 25% dos condôminos em edifícios maiores. Como dito pelo Ministro do STJ, Sálvio de Figueiredo, “A interpretação das leis é obra de raciocínio, mas também de sabedoria e bom senso, não podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocábulos, mas sim, aplicar os princípios que informam as normas positivas”.

   LEI CONCEDE PODER AOS CONDÔMINOS PARA VIABILIZAR A ADMINISTRAÇÃO

   A convenção consiste na norma que regulamenta o condomínio, que permite que o direito de propriedade seja limitado para possibilitar a convivência pacífica entre vizinhos tão próximos. O artigo 1.332, do Código Civil, estabelece o direito de 2/3 dos condôminos criarem a convenção que defina os tipos de unidades, a fração delas em relação ao terreno e a sua destinação, sendo que, diante da enorme diversidade de empreendimentos, se permitiu no inciso III do artigo 1.334, a liberdade dos condôminos determinarem os quóruns que entendam ser os mais adequados para que possam aprovar as deliberações, conforme a seguir:

   Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:

I - a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;

II - sua forma de administração;

III - a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as deliberações;

IV - as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;

V - o regimento interno.

   O bom senso e a experiência indicam que não há como comparar o funcionamento e a administração de um edifício composto por 20 apartamentos com outro empreendimento formado por 800 apartamentos. É bem diferente quando, diante da negativa do síndico em convocar uma assembleia, ¼ dos condôminos tem que convoca-la, conforme previsto no art. 1.355 do CC, em um edifício com 20 apartamentos, de quando o condomínio possui 800 unidades. Nesta hipótese, é aconselhável que constasse na convenção a possibilidade, por exemplo, de 40 condôminos convocarem a assembleia, o que corresponderia a 5% dos 800 proprietários, ou seja, bem mais razoável que as 200 assinaturas no edital.

   Estipular que 25% do total dos condôminos assinem o edital nos grandes edifícios, alegando que a lei exige ¼ do empreendimento, consiste numa irracionalidade administrativa. Quem tem experiência sabe que seria impossível conseguir a proeza de obter tantas assinaturas.

   DESTITUIÇÃO DO SÍNDICO

   Condôminos que foram lesados por um síndico que administrava um prédio com 90 apartamentos, na zona sul de Belo Horizonte, após conseguirem o voto da maioria absoluta dos condomínios para retirá-lo da administração, ou seja, 40 votos dos 44 que participaram da assembleia, foram surpreendidos com a liminar do Juiz que determinou o retorno daquele que praticou várias irregularidades à função. Apesar da assembleia ter conseguido o quórum da “maioria absoluta de seus membros”, previsto no art. 1.349 do Código Civil, o Juiz acatou a ação para anular a destituição do síndico, pois este demonstrou que na convenção constava a exigência do quórum qualificado de 2/3 do total dos condôminos para destituir o síndico, ou seja, 60 votos.

   Essa decisão foi confirmada pelo TJMG. Mesmo tendo atingido 90% dos votos, ou seja, 40 dos 44 presentes votaram pela destituição, essa deliberação foi considerada inválida. Se prevalecesse o quórum da lei, bastariam 23 votos para destituir o síndico indesejado.

   QUÓRUNS MENORES VIABILIZAM AS OBRAS

   A dificuldade de entender as nuances que envolvem os quóruns e o vício de se copiar “modelos de convenção” explica a razão de grande parte delas conter quóruns confusos e impraticáveis em relação às obras, que muitas vezes são importantes, sendo uma lástima o costume de se copiar o art. 1.341, do Código Civil, nos edifícios com muitas unidades.

   A estipulação de quórum qualificado de 2/3 para aprovar obras voluptuárias num edifício com 300 apartamento é ridícula. Na verdade, percebe-se a falta de domínio jurídico dos termos “obra necessária, útil e voluptuária” e assim, surgem as ações que anulam tais votações. Exemplificando: é racional exigir 200 votos para aprovar a instalação de um lustre ou vaso de planta na portaria, de um aparelho de ar condicionado na sala de ginástica ou de um espelho dentro do elevador? Isso é o que exige o Código Civil, bem como a maioria das convenções sobre essas benfeitorias simples, que consistem em obras voluptuárias, que são aquelas que visam embelezar, melhorem o conforto e o deleite ao se utilizar o imóvel.

   Interessante que para obras úteis, como a construção de novas vagas de garagem, um salão de festas, de uma guarita ou a compra de um elevador, que têm custo muito mais elevado que a maioria das obras voluptuárias, o quórum é o da maioria do condomínio, ou seja, no exemplo acima, 151 votos, o qual é também muito elevado diante do comparecimento médio na reunião não chegar à metade disso.

   O advogado competente, com experiência, contorna esses problemas ao orientar a estipulação quóruns bem menores, possibilitando, assim, a aprovação das obras de maneira inteligente e segura, dentro das particularidades de cada empreendimento, sendo isso permitido pelo art. 1.334.  

    SÍNDICO POR SER SÓ PROPRIETÁRIO

   O artigo 1.347 do CC estabelece que: “A assembleia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se.” Entretanto, nos termos do art. 1.334, os condôminos podem definir que somente poderá vir a ser síndico quem for proprietário, o que é viável em edifícios com maior número de unidades.

   Há casos de condomínios que sofreram desvios financeiros praticados por síndicos que não eram proprietários e ficaram traumatizados com o prejuízo que não foi recuperado pela ausência de patrimônio do infrator. Estes se utilizam da liberdade de redigir a cláusula que impede aqueles que não são proprietários de assumir a gestão do prédio. Podem ainda estipular a vedação à reeleição a um terceiro mandato consecutivo, para promover a renovação da gestão.

    DIREITO DO SÍNDICO APLICAR MULTA AO INVÉS DA ASSEMBLEIA

    Os artigos 1.336, parágrafo 2º e o 1.337, estabelecem quóruns impraticáveis para a aplicação de multas por infrações e condutas antissociais, sendo tais dificuldades um estímulo à continuidade dos atos que tumultuam a convivência condominial. Ao estabelecer que cabe à assembleia aplicar a multa, se ignora o fato de que no momento da reunião há um constrangimento entre os presentes, sendo quase impossível votar pela aplicação da multa frente a frente com o infrator, especialmente diante do baixo número de presentes.

    Certamente, a estipulação do quórum de 2/3 para aplicar a multa de até cinco vezes a quota de condominial contra o condômino que não cumpre qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV do art. 1.336, bem como o quórum de ¾ previsto no art. 1.337 contra quem não cumpre reiteradamente com seus deveres, entra em choque com a realidade das assembleias. A alternativa é estabelecer que caberá ao síndico aplicar a multa, sendo essa norma aceita sem qualquer problema pelos Tribunais.

    Realmente, é desafiadora a tarefa de redigir uma convenção e para o julgador, a de aplica-la, pois ao constatar que a interpretação da lei por critérios tradicionais conduz à injustiça, incoerência ou contradição, deverá procurar uma aplicação lógica e de acordo com os princípios constitucionais que reproduzem o sentimento geral de justiça, de maneira a evitar ou pacificar o conflito.

    Por Dr. Kênio de Souza Pereira

Condominial News

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